domingo, 9 de março de 2008


“Soa-me a despedida, embora não perceba se de nós, se de si própria...” alvitrou Maria com os olhos fixos na chávena. E assim tirou a patilha da granada que retinha o medo, invadiu a sala e me tirava o ar. Avancei para a janela, o alumínio guinchou, queixoso de gasto e demorei-me a absorver a noite, com o frio de Dezembro a encher-me os pulmões e a expelir o pânico.
Atrás de mim, as vozes nervosas dos rapazes, estabeleciam um plano de acção. O Raul ligaria de manhã cedo para o escritório. “Sara, tu falas com a D. Constância”. Sem me voltar abanei a cabeça. Ela estava muito aflita, não sabia de nada, a Luisa despediu-se com doçura e pediu-lhe que não se preocupasse. Sempre quis poupar a mãe, aquela filha. Ocultava-lhe a angústia crescente, a alma que se perdia aos poucos, naquela coisa física, visceral, que a levava a refugiar-se de um mundo que lhe provocava vómitos e tonturas. Ela bem tentava.
Conhecemo-nos todos de crianças, ali no bairro. Lembro-me de ter lido as “Mulherzinhas” e de a ter visto a ela, heroína frágil, em vestido de época e moral estóica. À medida que crescíamos percebemos ambas que era mesmo isso, que se sentia uma estranha intrusa num tempo que não era o seu.

2 comentários:

Maria das Mercês disse...

Susana, bom desenvolvimento! Gostei do ambiente do texto, da caracterização e do facto de a Luísa ser uma mulher fora do seu tempo.

leonor disse...

Pois eu estou até agora a tentar perceber o que ela fez ao tempo, ou o que o tempo fez a ela. Culpa da minha lentidão, nesta segunda-feira estranha, não tua, Susana, que estiveste muito bem.