sexta-feira, 21 de março de 2008

“Oh Sr. Inspector, com franqueza, agora está a ir longe demais. Arranje-me outro copo de água e mande diminuir estas luzes todas, que até estou a ficar com calor. Está para aqui uma viúva atormentada e o senhor vem-me com suspeitas de adultério?! Santa paciência, era só o que me faltava! Não era meu amante, não senhor, esse Pipic era a personagem principal do livro que o meu marido andava a ler. Mas não está bem a ver o tormento que isso foi. Ah pois é! Está de testa franzida? Julga o quê? O meu Chico era muito dado à leitura, dizia a minha falecida sogra que o mal dele foi sempre esse, aquilo depois abriu-lhe muito a vontade de descobrir a vida. E deu no que o Sr. Inspector já sabe, esta mania das descobertas… Às vezes lia até entre duas mudanças de pneus, veja lá! Chegava a fechar a garagem mais cedo por causa disso, e uma pessoa a passar tantas necessidades! Andava terrível, não queira saber. Os clientes queixavam-se. Não se calava com essa criatura, esse tal piquenique, ou como raio se chamava o homem, parece que era escritor, ou tradutor, ou uma coisa desse género, credo, já ninguém o ouvia. Olhe que às vezes me parecia que não estava no seu juízo perfeito! Andava tão obcecado que se punha a falar desse chinês, ou árabe, já nem sei, como se vivesse ali connosco. Por isso é que há-de aparecer aí algures na sua investigação. Não me admirava nada que me arranjassem algum enredo com o fulano, é que não me admirava mesmo, isto há gente para tudo. Até para nos tramar com personagens de histórias. Mas é como lhe digo. Se quiser, trago-lhe o livro da próxima vez, há-de estar para lá nas coisinhas dele, meu rico homem que nunca chegou a saber o fim da história.”

2 comentários:

Maria das Mercês disse...

Renata, adorei os labirintos ainda mais tortuosos para onde levaste a trama... E o ritmo, muito bom, a coloquialidade, muito boa. Rita, tu deves estar com os cabelos em pé! Quem matou e quem morreu?

leonor disse...

Eu não gostaria de estar nos sapatinhos da inspectora Rita Poirot, a quem caberá desvendar a trama que a Renata Christie tão bem adensou. Fico confortavelmente calçada nos meus sapatinhos, aguardando a última página deste Crime no Expresso Desoriente.