terça-feira, 11 de março de 2008




Entreolhámo-nos, um riso nervoso a estalar o nosso pasmo.
Raul foi o mais rápido: agarrou no casaco, gaguejou umas indicações e saiu. Maria e Pedro agarraram-se aos telemóveis e eu pude, finalmente, contemplar os meus pensamentos, enquanto as luzes da cidade riscavam a noite.
Imaginava Luísa, algures na cidade, a fechar uma mala com um gesto suave mas resoluto. Imaginava as mãos finas de Luísa a cumprirem um ritual mundano, como pentear o cabelo ou endireitar o casaco. Mas mais do que isto tudo, mais do que imaginar gestos, eu desejava-os. Queria que fossem verdade, tal como queria que não chegássemos a tempo. Pedi ao deus que ouve as nossas preces e as encaminha para os nossos sonhos que Luísa partisse, apenas isso, fosse para onde fosse. Creio que já há muitos anos o sabia, desde que lhe lera aquela faceta de heroína estóica na delicadeza do sorriso, na densidade do olhar; e as palavras de Luísa?, sempre tão lúcidas e belas…
Peguei novamente na carta, abanei-a ligeiramente, como se esperasse que mais algum significado escondido se soltasse do traçado das letras. Fala, fala comigo, Luísa, eu prometo compreender. Eu prometo silêncio.
Maria e Pedro, já livres dos telemóveis, avançaram para mim, uma dúvida a marcar-lhes o rosto.
— Que tens, Sara? — perguntou Pedro — Lembraste-te de mais alguma coisa?

2 comentários:

Mário disse...

very well. Deste uma outra dimensão a isto. Vamos ver por que ponta vou pegar.

Su disse...

Boa, Maria! Aprofundaste a relação entre as duas amigas, pões a narradora do "lado" da Luisa. Gostei do ritmo que imprimes.