domingo, 2 de março de 2008



Aquele riso ameninado emudeceu-o. Sim, era ele o cativo, daquela pele branca e macia cujo odor o levava ao Nirvana, daqueles olhos grandes, a um tempo meigos, a outro pérfidos. Ele era o que segurava a ponta da trela, a sua existência a isso se resumia. Não sabia dizer o que tinha sido antes, antes de haver trela, antes de haver olhos assim. E não via o que poderia ser sem ser isso.

Ela continuava a deslizar os dedos pelo seu tronco e a rir baixinho. Sabia o poder que detinha ao deixar-se acorrentar. Durante meses tinha-se alimentado assim, dessa relação estranha e intensa, de ser um animal de estimação. Mas tinha alma e consciência, faltava-lhe uma característica fidelidade canina. Era mais gata. E o seu ser tinha entrado no cio.

Não lhe aborrecia a coleira nem estava farta da trela. Simplesmente o que amanhecia nela era uma vontade enorme de sentir saudades dele. De estar só, ficticiamente abandonada. De fechar os olhos e ter dificuldades de recordar o seu perfil nítido, de se escoar na sombra do tempo o mantra aflito no ouvido dela. Antecipava o desespero que se avizinharia nesse momento. Precisava dele. Precisava de estar longe dele. De se encontrar, no meio de uma multidão, acompanhada por nada mais que aquela sensação doce, de saber que há alguém, algures, que nos ama. Como expressar isto sem que, do outro lado, soasse a rejeição? Experimentava então, esse tom infantil.

“Em cima do piano...” e deixou cair a melodia enquanto abria os seus grandes olhos para ele. Haveria de voltar ronronante.

13 comentários:

Maria das Mercês disse...

Susana, que "insight" fantástico: todos nós precisamos de distância das pessoas que amamos! Concordo e gosto.

Renata Correia Botelho disse...

Gostei imenso da ideia de que ela era mais gata!!!

Vitor Marques disse...

Renata, ela é mesmo uma gata. Ora vê aqui

Renata Correia Botelho disse...

Ahahahahah! Bem, Vitor, parece que até tens razão - quer dizer, a Susana. E só mesmo tu para desencantares imagens "insólitas" - és, também por isso, sempre bem-vindo a este nosso "corpo". Espero que nos acompanhes atentamente!

Anónimo disse...

Trelas, venenos, libido, caudas, suores frios e quentes, digressões poéticas...hoje, mais cedo, estive por aqui e não li estas flâneries com o devido cuidado...agora só falta uma viagem intergaláctica...o menino de trela é, afinal, o ET disfarçado de Mário Soares!

Raparigas (Mário e Nuno), isto está fantástico. Sejam malucas com os malucos! Divirtam-se.

Anónimo disse...

VItor, sejais bem-vindo ao nosso corpo...uuhmmm, :) Lindo. E eu? Não tenho direito a boas vindas assim???

Estou só a provocar.

Renata Correia Botelho disse...

Vita activa: eu, sem fazer a menor ideia de quem sejas, desejo-te, com grande vigor e em nome do "nosso corpo" todo, as BOAS VINDAS!!!! Nunca nos abandones, segue-nos a par e passo!!!

Anónimo disse...

Será um prazer seguir este drama inebriante...já estou a olhar, com alguma hesitação, para os copos, trelas..e o meu cão começou a uivar, qual lobinho infernizado etc ih ih ih

Sempre que me oferecem um corpo (todo) fico sem saber o que dizer...

bem, resta-me agradecer, suponho eu

OBRIGADO! :)

Unknown disse...

Bem, o que uma pessoa perde por ter uma segunda-feira atarefada... Bem-vindos e bem regressados!

Anónimo disse...

bem, meninas, um corpo de cada vez...não sou rapaz ambiciosa! Lá diz o inefável Clint (sim, é o Eastwood): "a man (or a woman) gota know his limitations." :)

Su disse...

Pois Lô, estou como tu e só passei umas poucas horas sem vir espreitar! Não estava a par destas novidezas, tantos comentários por ler, great! e aos nossos novos amigos deixo esta mensagem:

хорошо приедьте в "необычное тело", большое иметь новые лица где-то здесь!

Su disse...

e não são palavrões, ok?
;o)

leonor disse...

Su, vais ter de traduzir isso, nem que seja só às babes.