terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O doutor levantou a guarda da sanita. A sua empregada, uma negra voluntariosa que comprara ao pai por duas vacas, adorava mijar como os homens. E tal como alguns homens esquecia-se de levantar a guarda. Era óbvio que o fazia propositadamente para não deixar nenhum pormenor ao acaso. O doutor suspirou no mesmo instante em que um arco cintilante fazia tilintar a água da sanita. Tinha fechado os olhos e estava relaxado. E naquele preciso momento teve uma premonição fortíssima. Documentos antigos, que decifrara e mantinha em segredo, previam o regresso do messias. Abriu os olhos e revirou as pupilas para a sua direita. O espelho sobre o lava mãos reflectia habitualmente a bandeira dum movimento politico que ele bem conhecia, e que colocara ostensivamente por cima da lareira, na sala de estar. Não teve dúvidas, o bibliotecário, tesoureiro do movimento desde a sua fundação. A bandeira não estava no seu lugar. Correu à janela e lá estava ela, a drapejar no mastro da varanda. Quando ainda há pouco se encontrava no seu lugar de sempre. Era o sinal. Só podia ser o sinal. Desceu as escadas atabalhoadamente como se o prédio não tivesse elevador. Uma silhueta desenhava-se no crepúsculo, encaixilhada pela moldura da porta da rua. Antes de abri-la a tremer, reparou num transeunte que tinha parado a mirar com surpresa e divertimento, aquela figura avantajada, vestida de organdi. O doutor Mwakebeke fez girar a porta nas dobradiças ao que ela lhe respondeu com um guincho emperrado. Só balbuciou: “Doutor Savimbi, benvindo."

25 comentários:

leonor disse...

Não sei se vou conseguir comentar...
Vou pensar mais um pouco...

leonor disse...

Hummmm, é assim uma espécie de... tipo... assim... de...
Preciso de pensar mais um pouco...

Maria das Mercês disse...

Posso pensar contigo? É que... hum... é realmente assim, bem, pois, na verdade...

Maria das Mercês disse...

E hoje não é quarta-feira, pois não? Há coisas fantásticas, não há?

leonor disse...

Tou quase lá...

leonor disse...

Só mais um pouco... e chego lá (espero)!

leonor disse...

Pensemos juntas... dizes que...? ou, pelo contrário...?

Maria das Mercês disse...

Pois... se calhar significa que... espera, não, não deve ser isso. Ah, já sei, é porque... hmmmmm... pois, bem, não deve ser... Já volto!

leonor disse...

Concordo. É exactamente pelo contrário. E ... meio... qualquer coisa... mais ou menos... como disseste.

Maria das Mercês disse...

Pois, parece-me que realmente estamos perto... Assim, talvez mais... não, não, por aí não. Vamos pensar de novo. Que achas?

leonor disse...

Concordo.
Chegaremos lá. Eu já estive perto, mas depois espirrei e...
Mas... é isso, basicamente!
Quer dizer...

leonor disse...

É!
Decididamente!

Maria das Mercês disse...

Ferpeitamente. Tens toda a razão. Disso estou muito certa. Não é...?

leonor disse...

Desisto!

Maria das Mercês disse...

Vou dormir.

Mário disse...

AH AH AH AH AH AH AH

Mário disse...

este diálogo foi o melhor de todo o conto

Su disse...

Bom... eu... é mais bolos, não é verdade... e pasteis de balacau.
Mas tenho a dizer que isto está a ficar muito anárquico, com a malta a não respeitar os dias combinados e assim...
Mau maria!

Su disse...

Maria querida, não és tu, é a outra...
Acrescento ainda que tive uma epifania reveladora do sentido deste epílogo fantástico (foi do pastel de balacau, seguramente) mas que por causa desta anarquia reinante não faço tensão de partilhar, visto que me encontro, oficialmente, amuada!

leonor disse...

Tenho de manifestar o meu total desacordo. Amuada, eu?

rita disse...

eu cá estou completamente ultrajada!
não se respeitam dias...
recorre-se ao sei-lá-o-quê a que o mário recorreu para acabar o conto...
nem sei que pense, quanto mais que digite.

(antes que me esqueça, o diálogo entre a leonor e a maria das mercês está uma pérola, a devida vénia)

Anónimo disse...

brilhante, Mário.
Gosto quando a literatura, pela via do absurdo, deixa-nos sem palavras, sem um vocabulário,suspensos...

Anónimo disse...

Savimbi quebrou o suspense e disse: Sou anoréctico, ouviram!

Anónimo disse...

eu imagino-a assim (a menina da narrativa)...

já viram o La femme nikita(luc besson)

Anónimo disse...

Desculpem lá.

Assim:

http://www.geocities.com/Vienna/2192/anneint5.jpg

Vocês, depreendo eu, são todas(os) umas românticas incuráveis...nota-se isto na escolha de vocabulário e de tema...Fantástico! o mundo já tem gente árida que baste! São vocês que dão cores às coisas.

vão gostar muito de ver este filme, garanto-Vos.

ps: nada de choramingadelas