domingo, 10 de fevereiro de 2008

“E se fôssemos dar um passeio?”. Uma fuga para a frente pareceu-lhe um plano exequível. Não conseguia pensar perante o silêncio gritante dela, o ar denso, húmido, a tensão que escorria pelas paredes do quarto. Ela levantou-se, obedientemente inexpressiva, fantasmagórica de tão lívida, tirou do roupeiro um vestido de cor malva, leve e feminino. Houvera sido estreado no início do namoro e ele lembrava-se. Essa memória ressoou dentro de si, fez tilintar uma ternura doce, enterrada fundo, para lá das raízes do arbusto.
“Queres que te ajude com o fecho?”, murmurou. E assim, com jeitinho, voltou a pegar-lhe na cauda, sacudiu-a do pó da solidão, afastou cautelosamente a areia, movediça de desconfiança, e a erva molhada de silêncios.
Nem que só por um momento.
Talvez consequência da humidade palpável ou fruto de meses de invisibilidade mútua, o fecho não chegou a subir... Um desejo desesperado, brutal e animalesco, tomou conta de ambos, como se não houvesse amanhã, nem mundo lá fora, nem vazio nas almas de ambos, o rastilho ateou o arbusto, incendiando a dúvida.
Sentiam-se...
Ainda.
Finalmente.
Apesar.
Escreveu Florbela Espanca que “sob as urzes queimadas nascem rosas”. E o que nasce depois de queimada a dúvida, nem que só por um momento?

5 comentários:

Maria das Mercês disse...

Bem, adorei, Susana, gostei da escrita, gostei da volta que deste (mulher destemida! já me sentia a minguar por mais nenhum dos bloggers ter pegado na dica do meu texto...) e gostei do final interrogativo!

Margarida disse...

Amigas,

Só hoje tive o prazer de saborear a vossa criatividade.
Já sabia que só podia ser cinco estrelas e confesso que vou continuar a beber desta fonte até que se esgote.
E agora Leonor?

leonor disse...

Pois é, Magguy.

Agora
Aguarda-me
Serão
De grande agonia

Veremos como é que isto termina. Confesso que nem eu sei. Se tudo o resto falhar, reproduzo as palavras supra, pois têm múltiplas leituras, são minimalistas q.b. e ficam bem com qualquer cauda...

Mário disse...

all right babes

Unknown disse...

e agora?
Do cimo do arbusto surge uma senhora que lhes revela o nonésimo segredo do Kama Sutra.

Senão para que serviu o arbusto?