quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Mas deixemos a viúva em descanso – e todo o seu potencial erótico, agora em formato, um pouco menos sensual, de obituário. Estou no hospital. Essa é que é essa. E no hospital não há assim tanta coisa interessante para fazer. Digo eu. Às vezes, dá-me para me fazer de santo e tentar convencer o mundo da minha inocência. Provavelmente estou errado. Devia gritar em cada cinco minutos que matei uma data de gente – uma população inteira enroscada debaixo de mantinhas da TAP. A ver se os enfermeiros e médicos desapareciam de circulação, horrorizados, e eu podia finalmente sair daqui. Saudades dos meus? Nada disso. Tenho é saudades de beber uma mini. De beber uma mini com o desportivo à frente. Haverá felicidade maior do que beber uma mini, folhear as páginas da jornada e olhar de vez em quando para o céu. Aqui tenho os aviões. Mas falta-me o resto. De vez em quando há uma senhora bem intencionada que me traz uma revista do social de há dois anos. E, em vez da cerveja, dão-me soro. Nada fresquinho, ainda para mais. Ainda querem que este país vá para a frente.

5 comentários:

Su disse...

Contrariamente ao louco, a quem não dão nada de beber fresquinho, a história, essa, refrescou. Uffa!
Confesso que se tivesse sido a minha vez de botar a pena teria agonizado como o cão...
Isto quem sabe, sabe!

Renata Correia Botelho disse...

Pois... Uffa mesmo!
Confesso que, sem este texto (que me "serenou" bastante), teria passado a vez...

Mário disse...

estes altos e baixos só dão vitalidade aos textos

leonor disse...

Meu caro, eu acho que o trambolhão que este levou lhe partiu a espinha. Só um grande cirurgião para reparar a coluna vertebral. A personagem que tu criaste não tinha nada a ver com a da Maria. Outra hipótese (para além da intervenção cirúrgica de urgência, a qual lhe poderia causar a morte, claro!) é aceitar a metamorfose e dar-lhe continuidade. Dar-lhe continuidade significa fazer deste conto um exercício esquizofrénico de desmembramento de cada herança que nos for legada. Fizeste isso à Maria; o Nuno fez-te isso. Renata, que nos reservas tu? Tremo só de pensar na segunda-feira!

Maria das Mercês disse...

Olhem, meninos e meninas, acho que a febre que tive esta noite não foi da gripe mas sim do tremor que me tem tomado por saber que a minha personagem, sensível, sonhadora, tinha virado assassino de cães. Mas com o texto do Nuno a coisa refrescou mesmo. E com os suores da febre veio a resignação (coisa terrível, uma pessoa conformar-se!) à ideia de que ele agora é outro. Isto dos homens e das mulheres é mesmo diferente, não é? Mas tem graça!