domingo, 17 de fevereiro de 2008

Está todo amarrotado e só consigo ver gatafunhos. Arrisquei-me tanto para isto, que diabo! Meto o papel ao bolso, fecho o cacifo e enfio-me na casa de banho a mandar vir com os meus botões. Desdobro novamente o papel. Tem uns bonecos engraçados. E riscos, traços, coisas sem nexo, daquelas que se deixam no papel, distraidamente, enquanto estamos ao telefone. Começo a perceber uns apontamentos, com dificuldade. Espera lá, isto... isto é um plano! Um plano de fuga, sim senhor! Esqueçam lá a cervejinha, para quem não queria trocar sonhos comigo, este fulano acertou em cheio no meu mais almejado! O coração acelera, estou outra vez cheio de frio, agora, na barriga. É melhor deitar-me antes que dêem pela minha falta. Mas quem é que consegue dormir? Finalmente está a amanhecer, esta noite pareceu-me que não queria terminar.
Meto o plano dentro de uma revista do social. É uma boa revista esta, nunca li nenhuma com tanto afinco, mas como não passo da mesma página, começam a gozar-me, se estou a ler alguma entrevista com a Soraia Chaves. Palermas... Ao fim da tarde já tenho tudo na cabeça. Daqui a exactamente quatro horas e vinte e dois minutos há-de arrancar um traço magenta riscando o céu. Comigo dentro. Desconheço o destino, isso agora não interessa. Saberei quando pegar na embalagem de Happy Meal, depositada no caixote do lixo ao lado do terceiro banco, do lado esquerdo, da Avenida da Memória. Está quase a mudar o turno dos enfermeiros do meu bloco. Isto vai ser fácil, afinal, não é uma prisão e eles acham-nos tontos, esperam-nos drunfados com as drogas que nos dão. É agora a minha deixa.

3 comentários:

Maria das Mercês disse...

Susana, gostei mesmo das ligações aos outros textos, da escrita dinâmica. Iupi! O caminho para a liberdade está cada vez mais próximo... e o fim que vou ter de escrever também! Leonor, tu benze-te!

rita disse...

viva o plano da fuga!
estou em pulgas para saber se ele vai chegar à embalagem de happy meal... mas também curiosa sobre o que aconteceria se se cruzasse com alguma cerveja, ou (God forbid) com um gato com berlindes.
enfim, o suspense vai manter-se durante mais um bocadinho.

Renata Correia Botelho disse...

Epá, Susana, adorei a referência ao avião, recorrendo à descrição inicial do traço magenta. Bela forma de regressar a referências antigas e bastante felizes!