sábado, 24 de maio de 2008

Levava já trinta minutos de modorra, quando ouviu o meter da chave na porta. Chegara por fim. “ Já não era sem tempo! Olá Samuel! Vai escrever a carta que a gente já lá vai ter, para a bisca.” – disse-o propositadamente em tom rebeloso, mas que Godot sabia ser de carinho e ao qual Samuel já nem ligava. «Olha, até já me despi. Agora não há “scones” para ninguém, só depois! Chegaste bem para lá da hora!». Com imediata segurança começa a acariciar a sua pele, depois de se despir também. Quem visse lá de cima sorriria para dois amantes….mas aproximando-se perceberia a mão na pélvis, que acompanha um rosto de sofrimento e ao mesmo tempo de alívio. A ele se dedicara desde o acidente de viação que lhe levara a prima, fazia dois meses. O fisioterapeuta/jogador de cartas era agora um amigo. Chegara a provocar-lhe tremores, arrepios frios e quentes, a única coisa que sentia, agora preenchia-lhe a alma enquanto lhe tratava do corpo. Era a pessoa mais próxima que tinha a certeza de amar. O amor não escolhe formas e aquela era muito peculiar. Estalavam os ossos. As lágrimas corriam, pois Godot estivera uma semana fora para as tais reuniões, desta vez no estrangeiro. São das poucas coisas que o levariam a deixar o seu companheiro sem o tratamento que lhe permite agora andar. Toda a esperança perdida fora resgatada pelas mãos que transportam esta forma de amor três vezes por semana. É o suficiente, e no entanto imprescindível. Muitas vezes, como hoje, nem trocavam palavra, mas olhares, emoção, sensualidade, gestos, que significavam tanto do bom que temos para dar ao outro, sem esperar algo em troca. Amizade Amor Felicidade Cumplicidade. Eles eram neste momento a vida um do outro e não faziam a menor intenção de deixar de o ser, tal como Samuel também o era. Sabiam-no bem e no entanto a dúvida sempre se punha... Chegará alguém? Chegava quase sempre.

2 comentários:

john silva disse...

Ah, afinal o tipo era fisioterapeuta e o outro queixava-se dos ossos. Não há nada como os problemas de saúde para unir as pessoas :P

Maria das Mercês disse...

Gostei do final, Ricardo, sugestivo e envolvente.