sábado, 31 de maio de 2008
Limpou o musgo e pegou numa papoila que resistia ao vento mas não resistiu àquele vigoroso puxão. “ Vou levar-te para te secar e para te espalmar na última página do caderno de esquiços”. Tira-o do chão e ,ainda meio atarantada, decide-se a encetar o seu projecto….
sexta-feira, 30 de maio de 2008
quinta-feira, 29 de maio de 2008
“Tens de ir ao oftalmologista!” – agoiro sinistro que me carregou a mente, por um bom par de minutos, e que me feria os tímpanos todas as noites quando ia dormir e escutava, através da mal construída parede, a mulher do vizinho a chagar o marido. Nem aqui, neste recanto perdido entre a Fajã de Baixo e a Fajã de Cima, se Ponta Delgada me deixa em paz.
Uma voz emudecida pelos séculos germinava por entre o musgo da prateleira descaída para o lado esquerdo que havia sido particularmente calejada pelo tempo. “Três reis morreram, três reis morreram…” – consegui discernir ao levantar um velho número do Açoriano Oriental que apodrecia sobre ela. “Suponho que não sejas rei, porque os mortos não falam e isso aqui é muito húmido para ser Alcácer-Quibir.” – retorqui-lhe, para logo ser arrebatada pela dissipação da dúvida que há muito me corroía: “Já não precisas de aspirar a que o teu vizinho te faça bonitas odes na Internet, como em tempos fez à Madame Büttant, podes fazer a ti própria as melhores odes do mundo.”
quarta-feira, 28 de maio de 2008
Acendo um cigarro. Regresso calmamente ao carro.
Olho para trás mais uma vez. E nessa altura reparo no mais importante.
terça-feira, 27 de maio de 2008
domingo, 25 de maio de 2008

sábado, 24 de maio de 2008
sexta-feira, 23 de maio de 2008
Amanhã. Godot virá amanhã. Foi o que Elton pensou a seguir. Porque haveria de se ter apaixonado por ele? Ou melhor, porque raio é que se apaixonou? Não era mais fácil viver antes? Que fazer com aquele tremor de arrepio que lhe arrefecia e aquecia o corpo, duas vezes num só, duas pétalas de desejo no mesmo poema enluado? E com a porra da porra da espera, que fazer?
“Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração...”
quinta-feira, 22 de maio de 2008
Com as botas enfiadas na cabeça e sentados com as pernas mergulhadas na banheira, lamentavam-se da pontaria que um pombo tivera horas antes. “Maldito táxi descapotável. E o pombo também não podia ter acertado só no teu chapéu?” – rabujava Godot, antes do cenário inspirar Elton, para dar a provar ao viúvo da própria prima mais um requentado episódio da sua vida:
“O vasto campo da Flandres iluminado pelo plúmbeo que encobria toda a abóbada celeste, as pernas afundadas na lama da trincheira, os pulmões invadidos pelo cloro que a máscara não detinha, a Lee-Enfield encravada, o estômago às voltas com uma qualquer mistela que tentava enganar a fome… E a pontaria daqueles estilhaços de granada a choverem-me sobre o capacete?”
O silêncio invadiu a casa de banho e o desdém apoderou-se de Godot que sentenciou: “Uma vida desinteressante vista pela lente de uma imaginação delirante.” O veredicto calou fundo em Elton, cujo choro até irritou o bebé do andar de cima, conhecido por berrar toda a santa noite.
As lágrimas ainda corriam abundantes rosto abaixo quando acordou sobressaltado de mais um sonho, com um toxicodependente a injectar a sua dose diária a partir da ponta do seu nariz. Levou lá a mão, mas falhou o mosquito. Do outro lado das gelosias, a discussão continuava acesa na mercearia do canto e poucos se conformavam com o facto do taxista ter sido multado, por estar a beber uma chávena de Pensal enquanto conduzia. “Será que ainda alguém arrisca vir cá?”
quarta-feira, 21 de maio de 2008

Por isso gostava tanto das visitas de Godot. Mesmo que tivesse de esperar. Aliás, costumava dizer de si para consigo (andava, ultimamente, a falar imenso sozinho e em voz alta!), que estava à espera de Godot. À espera de Godot.
Pelos vistos não era o único.
Elton João levantou-se da poltrona para espreitar o dia para lá das gelosias. Os dedos já estavam cansados de tamborilar, o Pensal já estava frio e o relógio de cuco já marcava as 12 horas e dezanove minutos. Olhou para o passeio lá em baixo. Travões a chiar, um táxi parava mesmo em frente à porta do prédio. “Será alguém que chega?”, perguntou-se (em voz alta, novamente…) Elton João.
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Mas tanto Godot como o amigo, que também tinha um nome estrangeiro, tinham lá estado na noite anterior e nunca apareciam dois dias seguidos. Godot era muito ocupado. Era o que dava a entender porque estava sempre a lastimar-se da falta de tempo para comparecer a umas reuniões. Elton João não sabia se o primo da falecida mulher faltava ou não àquelas reuniões mas tudo leva a crer que sim. Até uma vez telefonaram-lhe lá para casa às tantas da manhã: Estamos á espera de Godot há mais de duas horas. Sabemos que costuma ir a sua casa. Por acaso não sabe dele?
Elton João
disse que não.
domingo, 18 de maio de 2008
Arrastou-se de tédio a abrir as gelosias. Maquinalmente, pôs ao lume uma chaleira e numa caneca verde-garrafa duas colheres de cevada Pensal. Bebeu de rosto próximo à janela, grossas gotas de chuva miravam-no do outro lado do vidro, deixando-se escorrer. Lembrou-se de quando esta espera não existia. De quando estar só era o modelo de vida que professava com gosto e altivez. Procurou, no arquivo da memória, qual o momento exacto em que a altivez passara a queixume.
Sentou-se novamente. À espera. O peso da espera a roubar-lhe gradualmente a genica. Amorfo. Pronunciou as sílabas que o papel de parede lhe devolveu estranhas. É da hora, 11 horas e quarenta e dois minutos. "Chegará alguém?".
sábado, 17 de maio de 2008
quinta-feira, 15 de maio de 2008
O forno está quente, muito quente – tenho um pequeno inferno aqui na minha casa do Nordeste. Lanço-lhe mais um pouco de lenha e a parede chamuscada torna-se branca com o calor – está mesmo no ponto. Não sei o que me deu hoje, mas parece que acordei com Deus no corpo. Assusta-me todo este poder, desconheço de onde veio este talento, mas não posso fraquejar. Jaz nas minhas próprias mãos o destino dos meus problemas – do pó vieste, em pó te tornarei! É desta!
O veludo acetinado acolchoa-me o corpo pela última vez. É tempo para a despedida. “Minha cara cadeira, tu foste durante 13 anos o reflexo – apenas o reflexo. Olhando-te, a realidade escapava-me!”
A madeira estalava e o fumo já ia alto. Passei um pouco de restaurador Olex pelo cabelo e abri a porta de outro quarto. Pelo seu corpo elegante deslizavam os últimos raios de um alaranjado pôr-do-sol. O seu bico desnudado brilhava intensamente. Uma tira de couro cobria o local sagrado onde coloco os dedos. Divinal estava ali aquela caneta.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
A volúpia das suas formas tinha sido demasiado para mim. A imagem dos seus pés desnudados continuava a perseguir-me. O seu toque acetinado queimava-me as palmas das mãos.
Já estava tudo consumado, tudo decidido. Sentia-me marcado, um estigma a pesar-me na alma.
Tinha de agir. Sacudir o torpor e agir.
Serena, estava ali exposta.
Levantei-me.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
domingo, 11 de maio de 2008
Eu, que sempre tive tudo no lugar certo, sinto este desejo pueril de ser incerto. E sem nunca ter estado efectivamente farto, ou ter dado conta disso, da vida que tinha e para a qual me parece, agora, tão rebuscado voltar. Sou um homem novo? Sou finalmente o homem que sempre fui e escondi? Será toda esta comoção causada por ti, que és apenas uma de quatro, que és tu como podia ter sido qualquer outra... Mas teria outra provocado semelhante epifania?
Perdido nestas questões existenciais, não sabia que fazer das coisas práticas, onde arrumar as malas vazias, estavam para ali, desfeando o quarto já quase na penumbra, desvanecendo a sombra dela no soalho de pinho resinoso. Quantas vezes teria sido já afagado, este chão, e porque não posso eu fazer o mesmo comigo, afagar-me de uma vivência que me é estranha, aparecer ao mundo com uma camada nova, fresquinha de envernizada.
Perdoas-me se ficar?
sábado, 10 de maio de 2008
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Serena… Isto deve ter sido há uns dois anos, não? Aquela sala, aquela cadeira. Tenho dificuldade em contar esta história. Não sei se quero que me compreendam. Não preciso disso. Não sei se quero que conheçam a sua divinal estrutura de ninfa, o gosto salgado dos seus cabelos, a clareza extraordinária do seu modo branco de pensar. Gosto de Rimbaud, eu. Sou um bom profissional, orgulho-me disso.
Escreveria assim, tentando de não vos dizer nada:
apenas ao seu silêncio.
A ninguém, o perdão
nem à amargura das rosas
nem ao meu corpo de homem triste.
E existo.
ao vosso lado.
quinta-feira, 8 de maio de 2008
quarta-feira, 7 de maio de 2008

Jovem – Oh avó, tu não estás mesmo aqui, percebes, isto não passa de mais uma ilusão da Igreja para nos fazer acreditar que…
Senhor dos Passos – Ah sim? E este espinho, é a fingir? E o sangue no meu pé, é sumo de tomate? Olhem que esta…
Avó (tenta pousar a mão no ombro do jovem, que se afasta) – Fé e amor, fé e amor!
Jovem – E o que mais? Extracto de caviar para a pele, pó de diamante para as unhas, manteiga de karité para o cabelo e um cartão VISA com «plafond» ilimitado. Tenham paciência! (afasta-se, aos gritos) Marília, onde estás?
Senhor dos Passos – Alguém tem aí um canivete? Ou uma faca de fruta? Também serve.
Avó senta-se no sofá, com ar pesarosamente pio. Jovem continua a procurar Marília. Senhor dos Passos permanece no chão, a escarafunchar no pé. Pela esquerda baixa, grupo de adolescentes e criança regressam, cantado e dançando um tema tipo Andrew Lloyd Webber. Colocam-se no centro do palco. O Senhor dos Passos fita-os abismado. O jovem não lhes presta muita atenção, pois está a falar ao telemóvel.
Grupo –
Ele não é quem diz ser!
Loucos, vocês não percebem,
temos muito a perder,
temos de o esmagar,
como o outro antes dele,
ele tem de morrer!
Pelo bem da nação, ele tem de morrer!
Tem de morrer, tem de morrer!!!”
Entra a tia, de punhal em riste e dirige-se ao jovem.
Tia – Tens de morrer! Sabes demasiado, tens de ser eliminado!
Jovem – Mas está tudo louco? Vim aqui porque me iam dizer e mostrar coisas importantes, nada vi, nada me disseram e agora tenho de morrer porque… ARGH!
Tia crava punhal no peito do jovem, que tomba lentamente para o chão. Grupo de jovens e criança pegam na cruz de Senhor dos Passos, deitam o jovem em cima e saem pela direita alta, cantarolando “Ele teve de morrer!”. Avó e tia seguem-nos. Todas as luzes se apagam, à excepção de foco roxo que incide sobre Senhor dos Passos, ainda sentado no chão a escarafunchar no pé.
Senhor dos Passos – Olhe, espere… ei, passe-me aí esse punhal!
segunda-feira, 5 de maio de 2008
Jovem ai que tudo isto não me pode estar a acontecer
SP tenho sede
Jovem que lamuriento…posso saber o que fazes de pé coxinho e ainda por cima com esse peso todo às costas?
Entrou-me um espinho para o pé
Jovem Um espinho? Espera daqui a uma hora ou duas, que já vais ver o que te vai entrar para as mãos e para os pés…um espinho…não perdes por esperar
SPque dizes?
Jovem É isso mesmo que ouviste – cenas dos próximos capítulos. Leio a tv guia é o que é. A Paixão de Soraya, sexta feira às 22h
SP Sabes quem eu sou?
Jovem Claro. Toda a gente sabe e depois?
SP Então sabes que morri para te salvar
Jovem Vai contar essa a outro…eu não sou a minha avó…ela é que ia nessa cantilena. Morreste porque morreste, as pessoas morrem, sabias?
SP Morri mas ressuscitei
Jovem Ressuscitaste, ressuscitaste…e como é que nunca ninguém mais te viu
SP Fui para junto do Pai
Jovem Menino do papá, isso sim
SP Já vi que não acreditas na minha palavra. Vais ver como a tua avó acredita
Jovem A minha avó já morreu
SP Precisamente
Entra a avó também de pé coxinho
Jovem vó, mas tu não tinhas morrido?
SP E morri
Jovem Então faltaste à morte…chateavas-me por faltar às aulas e também tu afinal…
SP O senhor chamou-me
Jovem E vens assim sem mais nem menos? Quando estavas viva eras surda como uma porta. A gente chamava, chamava e tu nada
Jovem A voz do senhor é amor
JC Escuta jovem, amor.
Jovem Tá bem tá…tou a ouvir essa palavra de cinco em cinco minutos – sim, mor; não mor; vamos ao cinema mor; vamos ao café mor“; tens haxe, mor? Vó também te entrou um espinho para o pé?
Avó Não filho, caí nas escadas. Torci o pé e bati com a cabeça. Foi quando encontrei o senhor que me indicou o caminho da salvação
Jovem Devias andar sempre com o GPS na mala, assim não tinhas que falar com desconhecidos
Jovem (para o público) – Ah! Não me faltava mais nada!! Aturar miúdos cheios de acne… Digam-me vocês, o que terão estas hormonas aos saltos de essencial para me dizer?! (virando-se para o grupo) Hei! Crianças, não são horas de irem à caminha? Desamparem-me a loja que continuo à espera que chegue a Marília… talvez com ela consiga ter uma conversa decente!
(Os miúdos continuam ignorando o jovem, trocando sussurros e risadas entre si)
Jovem – Oi!! Tão surdos ou fazem-se?! Esta agora…
(Irrompe um toque estridente do relógio de menina colocado no pulso no jovem, os miúdos levantam-se, como autómatos, colocam-se em fila de frente para o público)
Adolescente 1 – Neste dia tão prosaico…
Adolescente 2 – …da alma te queríamos falar…
Adolescente 3 – … dos mundos, de Deus…
Adolescente 4 – … dos elfos, das fadas…
Adolescente 2 – … de magos e fariseus…
Adolescente 4 – … da sombra, da luz…
Adolescente 1 – … da morte, do nascer…
Adolescente 3 – … se tu ao menos quisesses saber!…
(Ouve-se novamente o mesmo toque, os adolescentes parecem acordar, riem-se e saem pela esquerda baixa, deixando o jovem só, sentado no escadote tombado, com um foco de luz azul incidindo sobre si)
Jovem (começa por gritar) – Estão loucos, todos loucos, juro-vos…
Desculpem lá, vocês, estarem aqui a assistir a esta cena, a perderem o vosso tempo… eu ainda é como o outro… não tenho verdadeiramente nada de importante para fazer… é que eu… (desolado) eu queria mesmo saber!...
As luzes baixam. Deixa de se ver a tia…um brilho rasante ao solo de cor vermelha ilumina agora o andar manco de dois pés não se desvendando o corpo. Um foco branco cega parcialmente a visão do jovem que se encontra no centro do palco, fortemente iluminado, e que compõe a roupa.
Jovem - Uma menina, Um manco…Que me queres dizer?….Queres que eu descubra o quê se nem sequer me deixas ver ou falar-te?
Os pés param e de mesmo ponto do cenário ouve-se o cantar dá letra de uma música cujos acordes são dedilhado numa viola.
Cantante - A musica não a conheces tu. Mas a letra revela-se-te incrivelmente fácil com se desde sempre a tivesses sabido de cor. A tua mãe não a cantou e tu nunca a ouviste no berço. Sim...é Madonna e é o do último ábum, gostas?
Jovem - Mas eu nem gosto de Madonna?!
Cantante - ehhhh....(e continua a cantar)
Jovem - Fazes-me ouvir uma música que eu canto sem conhecer. Mas que não esqueço. E não volto a repetir porque não gosto….Acompanha-me alguém que não conheço e afinamos os dois………Procuro-a mas mesmo manca esta pessoa, que ainda não percebi se mulher ou homem…..passeia-se pela sala escapando as minhas investidas……Ai carago!!! (bate com o joelho no escadote e tomba-o para o centro do palco, de onde tinha saído indo atrás dos pés - percurso livre).
Jovem (grita) - Não entendo, não vejo, não falo, nem percebo o que estou aqui a fazer.
Chamaram-me e põe-se a fazer entrar pessoas que não conheço….porque é que a Marília me chamou aqui…..?!
(Jovem confirma a mensagem antes recebida no telemóvel)
Jovem - Que raio.... Parece que estou à espera do médico mas numa casa ....de alguém que se mudou. A Marília tinha-se mudado……(dirige-se para a porta de cima, abre-a e espreita) …(chama gritando) Marília!!! (Fecha a porta.)
(A mulher cala-se. Ouve-se na direcção da porta de baixo um pequeno grupo distante, que se aproxima .)
Jovem - Ihhh, tamanha ingresia p'ra lá vem! 'Tou feito!
domingo, 4 de maio de 2008
O jovem vira as costas e deita-se na mesa de jantar, a falar com as cadeiras e os gatos, como se a tia não estivesse lá.
Jovem – Odeio-Te. Sem pontos, nem vírgulas, nem qualquer tipo de pausas. E desafio-Te! Vem cá, e diz-me olhos nos olhos que existes, planando omnipresente sobre o mais imperfeito dos mundos… Explica-me porque És Cruel. Explica-me! Queres brincar ao gato e ao rato? Queres???? Com mulheres cinza e púrpura? EU NÃO SOU UMA MARIONETE dos teus caprichos! Sou o dono da minha vida!
Tia – Cucu! Acho que ainda não percebeste bem, jovem…. Levanta a camisa por favor…Não tenhas pressa… mas levanta-a, por favor. (sorri)
O jovem fica algo perplexo, mas obedece e começa a levantar a camisa.
Tia – Já tás a ver o umbigo???? Tás? (o jovem anui com a cabeça) Boa!... Agora passa essa fase por favor… (fala lentamente, como se soletrasse) o teu umbigo não é o centro do mundo…muito menos os teus dramas existenciais… Lamento. Agora vamos avançar para as coisas práticas, please? (Abre a mala)
Começa a ouvir-se piano e uma voz:
em todos os quartos
em todos os cubículos
em todos os pardieiros
uma tragédia e uma comédia
e o mais inesperado dos poemas incompletos
quinta-feira, 1 de maio de 2008
Jovem (boquiaberto) – Por que raio não posso eu andar sem saber da hora e do mês? (para o público) Causa assim tanta impressão a estes fariseus que eu não me submeta a mais esta regra deste mundo burguês?
Levanta-se para ir ver as fotos sobre as cadeiras e a iluminação apaga-se por completo.
Jovem (enraivecido) – Estão a espiar-me, seus malvados! Então, é isso que a vossa inteligência cósmica tem para me oferecer?!?!
CENA II
Ainda ao escuro, entra a tia da criança de sexo feminino pela direita alta.
Tia (com uma voz grave, colocando a mão no ombro do jovem) – A curiosidade matou o gato!
A luz volta, deixando ver a longa capa roxa que cobre o vestido púrpura da tia, bem como um gato cinzento em cima de cada uma das cadeiras, ocultando as fotos.
Jovem (com desdém) – Então, és tu quem me vai demonstrar como funciona o mundo? Fazer ver o bem e o mal, o lógos do universo, a areté do homem? Enfim, qual é a surpresa que trazes hoje para me incendiar a alma, sua filósofa… da espionagem?
A tia coloca sobre a mesa uma pequena gaiola que estava escondida pela sua capa. No seu interior, está um rato com pêlo branco-sujo.
Tia (com uma pose paternal) – Meu caro irmão, o mundo não é para ser ensinado, mas sim aprendido.